Buscada por todos e uma incógnita para muitos, a felicidade pode ser algo subjetivo. Cinquenta pesquisadores da Universidade de Harvard acompanharam 800 pessoas por 80 anos para mostrar a influência que o estilo de vida tem na percepção do que é felicidade
Na televisão, a propaganda indaga o telespectador à queima-roupa: o que você faz para ser feliz? A pergunta intriga e provoca questionamentos provavelmente desde que o homem sentiu um frio na barriga pela primeira vez. Para alguns, felicidade é sinônimo de conta bancária azul da cor do mar. Para outros, um estado de espírito, não importa quanto você ganhe. Os mais românticos defendem que o “conceito” se refere a experiências pessoais, companheiros, amigos, enfim, ao amor. Fato é que o tema desperta interesse não só no campo filosófico: ao redor do mundo, pesquisadores se desdobram para entender do que se trata essa tal felicidade — e o que é preciso fazer ou ter para se considerar um sujeito feliz.
Uma das maiores pesquisas sobre o tema foi feita pela Universidade de Harvard. O estudo, publicado pela revista francesa Geo Savoir em novembro de 2011, teve mais de 800 participantes acompanhados por 80 anos, desde 1938. O objetivo principal do Grant Study foi entender a influência que o estilo de vida que cada um escolhe impacta na percepção de felicidade no futuro. Levando em conta hereditariedade, infância, ambiente social, histórico familiar, estudos, casamentos, problemas de saúde, vida profissional e mais uma infinidade de detalhes, os pesquisadores — 50 ao todo — mapearam os dados.
Cena do documentário 'Happy'. Filme viaja pelas culturas do planeta em busca da
resposta para o que os idealizadores chamam de "a emoção mais elusiva da humanidade"
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Os resultados, como esperado, foram complexos: no começo da pesquisa, tudo levava a crer que a renda familiar seria sinônimo de uma longevidade maior de 10 anos, em média. Os mais pobres eram três vezes mais propensos a serem obesos, alcoólatras e tabagistas. Quando a vida dos pesquisados era analisada individualmente, porém, a coisa mudava de figura. Primeira conclusão: não dá para se basear pela média. Quem tinha tudo para se considerar infeliz, como problemas de saúde ou péssimo histórico familiar, dizia-se sereno e feliz.
É claro que os cientistas não conseguiram montar uma receita para a felicidade, mas foram capazes de apontar alguns comportamentos que tendem ao fracasso. O alcoolismo, por exemplo, foi o grande responsável por doenças, divórcios e mortes. O grau de inteligência não influencia na felicidade, assim como a posição política ou ideológica. O relacionamento com a mãe, sim: segundo a pesquisa, se a sua infância foi repleta de amor, há grandes chances de você ser um adulto feliz. E o velho ditado “dinheiro não traz felicidade” procede: ter tido uma juventude animada e feito uma faculdade vale mais do que dinheiro, no que diz respeito a ser feliz no futuro.
O exemplo de Harvard é apenas um entre muitos estudos e teorias sobre a felicidade. Ruut Veenhoven, sociólogo holandês, conduz os estudos do World Database of Happiness (WDH), um centro de pesquisa dedicado a investigar quais lugares do mundo são mais ou menos infelizes. Ele é professor emérito das condições sociais para a felicidade humana, na Universidade Erasmus de Roterdã, e define o projeto como um “arquivo de resultados”. “Ele armazena alguns dos 20 mil resultados de pesquisas sobre o aproveitamento subjetivo da vida, tanto sobre descobertas sobre quão felizes as pessoas vivem (resultados distributivos) quanto descobertas de coisas análogas à felicidade (resultados correlacionais)”, detalha.
No site oficial da pesquisa, é possível encontrar os níveis de felicidade de todos os países do mundo. Em uma escala de zero a 10, a felicidade do brasileiro está em 7,5. Em 1960, essa média era de apenas 4,6. A partir de relatórios de pesquisas, Veenhoven explica que é possível fazer uma “medição adequada de felicidade, no sentido de gozo subjetivo da vida como um todo”. Isso porque, ainda que a felicidade não seja algo concreto e palpável, o cientista diz que só o fato de todos nós termos o conceito em mente já permite que ele seja mensurado. “A felicidade pode ser medida usando interrogatórios.” E isso é feito da maneira mais simples possível: quão feliz você é pode ser indicado com palavras como “infeliz”, “moderadamente feliz” e “muito infeliz”, por exemplo. Também com números. Chegar à nota 10 não é impossível, ele acredita, porém, tampouco comum. “Nós, normalmente, temos nossos altos e baixos na vida. Ainda assim, a maioria das pessoas está feliz.”
Assista ao trailer do documentário:
Conhece-te a ti mesmo
Fora do âmbito científico, naturalmente há uma busca incessante para entender o que, afinal de contas, é felicidade e como chegar até ela. Para Ângela Solgio, presidente da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia, procurar é intrínseco ao ser humano. O problema é definir atrás do que correr. “É um conceito amplo e relativo à cultura e ao próprio indivíduo. Em cada momento da história, há um consenso do que é ser feliz e cada pessoa define o que, para ela, é felicidade.”
Ser feliz dá trabalho: depois de escolher seus objetivos, ainda é preciso uma boa dose de bom senso para saber se eles são viáveis ou puro delírio de uma mente angustiada. “Viver em sociedade também é adiar desejos e levar em conta seus limites”, frisa a psicóloga. Obedecer a regras sociais e respeitar os outros, além de vencer o próprio medo, são outros obstáculos ao grande pódio da felicidade. Mas nada intransponível. “Não é preciso fazer isso tudo sozinho. De modo geral, o mais importante é tentar identificar o que não está bom para imaginar uma solução, ainda que não imediata.”
Foi a partir da curiosidade que surgiu o documentário Eu maior. Marco Schultz, um dos quatro produtores do filme, conta que a busca do tema sempre esteve vinculada ao autoconhecimento. “O enfoque é para a gente compartilhar uma angústia assumida.” Para Schultz, as perguntas começaram a pipocar em sua cabeça quando entrou para o mundo da ioga. Meditações e viagens de peregrinação com pessoas igualmente questionadoras abriram um vácuo de conhecimento. “Sempre achei que a vida não pode ser só esse resumo. Tem algo dentro de mim que quer algo mais ampliado.”
A partir daí, ele e os demais produtores passaram a buscar personagens que pudessem dar depoimentos distintos sobre a felicidade, sob os mais diversos pontos de vista. O resultado é uma miscelânia que une líderes espirituais, intelectuais, esportistas e artistas para “questionar a felicidade de superfície, horizontal”, sem nenhuma crença específica. “Buscamos ser coerentes com os entrevistados —de diferentes gêneros, estilos de vida, credos, cientistas ou não. Tivemos esse cuidado de tentar encontrar a pluralidade do ser humano por meio dessas pessoas todas.”
Naturalmente, o tema se desdobrou em muitos outros: a existência ou não de Deus, a integração do homem com o mundo, o sofrimento, a fraternidade e o significado da vida são alguns exemplos. Com apenas duas semanas, o filme já tinha quase 350 mil visualizações no YouTube. Até o fechamento desta matéria, esse número já ultrapassava 419.400. Isso tudo sem o amparo de uma assessoria de imprensa ou qualquer outro tipo de divulgação que não o compartilhamento do vídeo em redes sociais e boca a boca. “Isso mostra que o momento do mundo é de questionamento profundo, em todos os sentidos. O ser humano é um inquiridor.”
Há ainda quem transforme a busca pessoal em livro. Isabel Abecassis Empis, psicoterapeuta portuguesa, transformou sua experiência de 35 anos em consultório no livro 'O poder do querer: como transformar sua vida naquilo que você quer' (Academia do Livro). Na obra, 18 histórias de vida estudadas por ela são usadas para explicar o caminho para a realização pessoal. O foco principal é entender como funciona o tal autoconhecimento. Pessoas tristes, por exemplo, muitas vezes escutam que têm tudo para não se sentirem assim. “Essas pessoas se sentem ainda mais doentes. A grande verdade é que nós não somos os acontecimentos da nossa vida, mas nossa relação com eles.”
Essa aprendizagem pode até parecer intuitiva, mas, segundo a psicanalista, está ausente na vida de muitos, o que bloqueia a capacidade de traçar objetivos. A prática de tentar explicar tudo — a “explicologia” ou “explicanálise”, como ela define — também não ajuda. “Tentar explicar os porquês de tudo só leva a pessoa a se separar cada vez mais de si própria e, muitas vezes, dos outros”, defende. Por fim, o grande conselho de Empis: expectativa em vez de esperança gera angústia e (adivinhe?) infelicidade. “Na expectativa, estamos sempre à espera que o outro, o mundo, a vida seja aquilo que nós pensamos que precisamos para realizar o nosso sonho ou ser feliz. Quando, na verdade, é na esperança que está a possibilidade de sonhar e de realizar a partir de nós mesmos.”
O que te faz feliz?
Veja alguns aspectos que podem deixar a vida mais cor-de-rosa, de acordo com o estudo de Harvard:
» Habilidade de formar bons relacionamentos com outras pessoas.
“É a aptidão social, e não o brilhantismo intelectual ou a classe social dos pais, que leva ao envelhecimento bem-sucedido”, aponta o Dr. George Vaillant (coordenador da pesquisa por mais de 40 anos).
» Não abusar do álcool
» Conseguir uma boa educação
» Ter um relacionamento estável
» Não fumar
» Praticar exercícios
» Manter o peso corporal saudável
Na internet
» www.caseiecompreiumabicicleta.com
» www.gluckproject.com.br
» www.cacadoresdebonsexemplos.com.br
» www.worlddatabaseofhappiness.eur.nl
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