imagem: Jacarandá - Viva terra
Jacarandá, uma fortaleza na encruzilhada
Encruzilhada é um lugar onde se cruzam ruas, estradas, caminhos, como também vidas, destinos, seres. E um dia encontrei-me com o Jacarandá da encruzilhada. Apesar de passar por ali há tanto tempo, apenas nesse encontro ele começou a falar, a contar sua história..., ou melhor, pela primeira vez eu pude realmente ouvi-lo. Quanto mistério pode-se encontrar em uma encruzilhada!
A vida para o Jacarandá da encruzilhada não foi fácil. Já bem novo em sua vida, quando no solo buscava alimento e água para viver, um belo dia se deparou com uma grande resistência: uma imensa laje, de granito duro, impedia que suas raízes prosseguissem solo adentro. Por isso, seu tronco não pôde crescer direito, nem reto. Mas não se deixou abater pela prova e persistiu.
Da mesma forma que suas raízes tiveram que se dobrar diante da laje dura, seu tronco também ficou marcado. Certa vez chegaram homens rudes, falavam alto, gesticulavam muito, projetavam uma sombra escura. De repente, sentiu seu tronco sendo cortado, batido e maltratado. Um fio metálico, com pontas bem agressivas, frio e torturante, penetrou e amarrou seu corpo, estrangulando-o. Quanto tempo essa tortura durou, não sabe dizer. E ela se repetiu em diferentes partes de seu tronco. A cada vez, nova tortura. Infinita, enquanto acontecia. Era como um ferro em brasa, que penetrava, feria, doía. Por não terem os mourões suficientes, ou por não se moverem o suficiente para tê-los, aqueles homens haviam usado seu tronco como mourão para cerca de arame farpado. E assim o feriram duramente.
As mãos rudes se foram. De quando em vez voltavam. E tudo se repetia. Entretanto, seres invisíveis da Hierarquia criadora, dele cuidavam dia após dia e juntos compartiam sua dor. O tronco tentou então envolver o frio metal, perfurante, no intuito de amenizar a dor do Jacarandá. Mas em vão, o ferro frio já o tinha penetrado.
Luz salvadora
Em uma bela manhã de primavera, uma luz brilhou e se aproximou. Era tão intensa que parecia o sol. Ofuscava tanto que não podia enxergar. O Jacarandá concentrou-se então na vida que pulsava em seu interior. Prendeu sua respiração, suspendeu a circulação, preparou-se e se entregou.
E esperou. Parecia uma eternidade aquela espera. Pouco a pouco, sentiu que algo nele se movia e se soltava. Foi um alívio tão grande em sua dor, que se ele fosse humano, choraria. E o alívio se repetiu. Mais uma vez. E outra mais. E a luz brilhava, e uma paz infinita foi preenchendo todo o seu ser. Já não sentia mais dor. Milagre? Não sabia dizer. E a luz então se afastou.
De repente, ficou sabendo tudo o que acontecera. E agradeceu profundamente àquele ser que o salvara e o liberara. Naquele momento, sua gratidão foi tão grande que ainda hoje persiste, como no dia em que tudo aconteceu. Uma nova explosão de vida passou a percorrer todo o seu ser: raízes, tronco, galhos, folhas, flores, frutos e sementes.
Desde então um novo alento nasceu em seu interior e se irradiou. O alento que ainda hoje vivifica e cura os que dele se aproximam e o encontram... na encruzilhada.
Outras crises e provas, que depois daquele dia ainda aconteceram, já não tinham a mesma força para abatê-lo. Seus galhos cresceram, ainda se retorceram e se desviaram, mas prosseguiram. Uma grande harmonia foi também dando forma externa ao seu ser. Quem hoje o olha de longe, percebe algo, mas não sabe dizer o que é. Quem quiser saber precisa sentar-se junto ao Jacarandá e entrar em silêncio para poder ouvir o que ele tem a dizer.
Ali, daquela encruzilhada, do alto de uma colina, o Jacarandá pode sempre ver o sol nascer. Longe, no horizonte. Pode escutar a lição que o sol nascente traz à Terra a cada manhã, com seus primeiros raios: lição de esperança, mensagem de consolo, alento de fé.
Uma cura inusitada
Outro dia, fomos ter com o Jacarandá da encruzilhada. Quanta sabedoria, compaixão e alegria nesse dia ele irradiava. Acolheu a todos, sem distinção. A dor e o sofrimento ele já conhecia, pois os havia superado em sua vida. O ser humano, que ali estava e sofria, por uma espécie de telepatia começou a compreender e a transcender também o medo, a dor e a angústia que o abatiam.
O Jacarandá, que até então apenas ouvia, começou a contar o que sabia. Nenhum de seus galhos crescia reto, direto. Cada curva representava uma prova vencida. Se uma resistência aparecia, sua persistência se mantinha e o obstáculo era vencido. Os galhos que se contorciam davam mostras do que tinha superado. E por mais incrível que pareça, havia em todo o conjunto uma grande harmonia. E bem no centro da copa – para onde o tronco deveria ter crescido, se não tivesse se desviado – podia-se perceber uma coluna luminosa, um grande mistério. A contraparte invisível do tronco estava lá, onde o tronco material deveria estar. A matéria é que não pôde alcançá-lo, preenchê-lo.
Outro mistério ali estava. O tronco invisível, imaterial ali no centro, podia assim acolher mais luz. Sem a limitação que a matéria física impõe. A Luz que desce do alto, sem se deixar aprisionar pela matéria, pôde preencher mais livremente o ser, irradiar e curar. Assim, o tronco invisível do Jacarandá, pleno de Luz, transformou-se em um terafim*, potente instrumento de cura.
A não ser algumas poucas pessoas, como o ser que um dia salvou o Jacarandá, hoje quem passa na encruzilhada, geralmente nada vê. A vida está de novo nele presente, pujante, em cada partícula de seu ser. Ele irradia e cura, como curou o ser humano que sofria e chorava... na encruzilhada.
*Terafim – Objeto imantado pelo Reino Dévico e que passa a emitir energias de diferentes qualidades.
Este texto integra a coletânea “Histórias que as árvores nos contaram”, em preparação. Por Clemente - médico clínico e pesquisador; atualmente é monge da Ordem Graça Misericórdia.
Extraído do Boletim”Sinais de Figueira” nº 21 – disponível no site www.irdin.org.br
Fonte: http://despertarja.com
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